Fazia muito tempo que eu não lia nada. Desde a minha época de vestibular que acabei lendo um livro de poesias do Alberto Caeiro por completo ou de uma das minhas férias que li o último livro da série Harry Potter. A partir dai, cada livro era lido até a metade e deixado de lado. Esse foi o livro que comprei com vontade e o li por inteiro. E que me trouxe novamente aquele gostinho bom...
O livro "Podecrer" é simples, mas bem pensado. Linguagem simples, história agradável e que eu queria muito ter vivido. Ou não. Sabe aqueles tempos de fortes ideologias, de forte moda, de forte música, de crescimento do futebol, da auto-afirmação brasileira? Essa época. Anos 80. É totalmente agradável a leitura.
A seguir algumas passagens do livro que gostei ou que me marcaram:
- "Durante minha infância, O Brasil era de fato muito "pra frentex". País tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza. Aqui não existia maremoto, terremoto, nem ciclone, nem tufão, nem vulcão. Extinto ou em erupção. Em nosso país só havia coisas bonitas: junção das águas, pororoca, floresta amazônica, pico da neblina, pantanal, cataratas do iguaçu, serra da mantiqueira, pico da bandeira, serra do mar, praias-com-coqueiro-que-dá-côco, terra-em-em-se-plantando-tudo-dá. O cidadão comum podia comprar seus Fusca usado, sua passagem de ônibus ou seu bilhete de pingente nos trens de subúrbio. Estava livre.
Eu vivia num país muito justo. Muito melhor que todos os outros. Nos Estados Unidos havia racismo; os pretos não podiam morar nas mesmas áreas que os brancos. Um absurdo! Na Rússia, as mulheres eram obrigadas a realizar trabalhos forçados; chegavam mesmo a ser postas para varrer as ruas. Um escândalo! O pior de todos esses países iníquos era a Índia. Lá, os prédios residenciais estavam cheios de grades e eram guardados por vigilantes armados, para impedir a invasão dos miseráveis durante a noite. Foi o que me disseram. Duvidei dessa história. Não podia acreditar que existisse um país assim. "
- "Acho às vezes que no mundo inteiro só existe Brasil. o resto é troço sem traço. Troça de ficção intervencionista."
- "Eu conheço esses caras faz muito tempo, sei de todos os podres. Nossos comunistas não passam de uns coitados. Se acham muito espertos, mas só entram em roubada. São uns carneiros em pele de lobo. "
- "Pois eu acho que as luzes do lado de fora da caverna vêm das lâmpadas néon de um cassino imenso"
- "Quanto mais eu penso, mais eu vejo que não adianta muito pensar. Qualquer opção tem em si um pouco de céu e de inferno. O jeito é fechar os olhos e pular pra dentro do abismo da vida. O abismo correto é aquele que à primeira vista nos parece o mais perigoso."
- "A vida é uma chacrinha que só acaba quando termina."
- "Essa coisa de lado branco e lado negro só existe em Star Wars. Na vida real, tudo é cinza. Não existe linha reta em direção ao melhor de nós mesmos. O caminho reto é o caminho torto. E o caminho torto é o caminho reto."
- "Eu já vi o mal cara a cara, negada, e ele é feio pra burro. Mas o pior mal não consegue ser um mal total, um mal incorruptível. Tudo muda o tempo todo, tudo evolui ou degenera, nada fica estático, monolítico."
- "Juro transformar o errado em certo, alimentar os famintos, auxiliar os fracos, descumprir as leis e jamais recusar ajuda a uma pessoa em aflição!"
- "- Marquinho, acho que nosso problema de rebeldia sem causa vem do lance da gente se sentir meio merda, meio...pobre.
- Entendi não esse papo aí de merda-pobre - retrucou o boquirroto.
Saudades do parnasianismo. Elaboro tese sublime e Dom Marcos a transluciferiza mefistofausticamente em substantivo composto, de clara natureza escura: merda-pobre. Demorei um tempão para explicar a ele, no meu melhor latim mulatim, toda a profundidade daquelas idéias:
- É a questão do pobre relativo. Nós somos uns caras espertos, porém durangos. Daí a revolta. Pesa muito ter de estudar ao lado desses filhinhos-de-papai...
- Que não passam de uns filhinhos-de-mamãe...
- Exatamente! E enquanto eles desfilam tênis importado, tudo comprado caro pra cacete na Bee de Ipanema, a gente amarga o similar nacional.
- Eles de All-stars, nós de Bamba, eles de Pampero, nós de Conga.
- Isso!
O totalmente despossuído é livre. A classe média, sim, vive na escravidão. Da sua auto-imagem, da sua eterna vontade. Do que quer ser e não pode. (...) Pobreza relativa. Revolta. Classe média, essa condição de angústia. (...)
- Pobreza relativa, Marquinho.
- Já saquei. Sujeito meio merda, meio pobre. Merda-pobre!
Desde então, o poeta não parou de usar a expressão. Tive que aceitar. Colou no meu ouvido. "
- "Excuse me while I light my spliff, I gotta take a lift from reality"
(Com sua licença, vou aqui acender o meu, e dar um tempo na realidade)
- "Just like a tree planted by the river of water bringeth forth fruits in due season, everything in life got its purpose."
(Assim como a árvore plantada junto ao rio dá frutos na estação correta, tudo na vida tem o seu propósito)
- "You running and you running and you running away. You running and you running, but you can't run away from yourself."
(Você corre e corre e foge para longe. Você corre e foge, mas já não pode fugir de si mesmo)
- "Which man can save his brother's soul? Oh man, it's just self control. Don't gain the world and lose your soul. Wisdom is better than silver and gold."
(Quem pode salvar a alma de seu próprio irmão? Rapaz, tome pé da situação. Não adianta ganhar o mundo e perder o coração. perto da sabedoria, o ouro e a prata não valem nem um tostão)
- "Emancipate yourself from mental slavery, none but ourselves can free our own minds!"
(Emancipe-se da escravidão mental, cabe a nós mesmos libertarmos nossas mentes)
- "Wake up and live, now!" (Acorde e viva, agora!)